segunda-feira, 16 de julho de 2007

As palavras ardem dentro de
mim mas já não me queimam
(são chama débil)
qualquer tentativa de reacendê-las
por completo é infrutífera
mas o fruto verdadeiro
amadurece lá em casa
não como os abacates e seu silêncio verde
amadurece com um sorriso
(aceso na luz do dia)
nos lábios
e com uma ferrenha vontade de vida
(morde a vida
e meus dedos
e meus joelhos)
minha filha
esta poesia/processo
que corre
ri
mija
chora e
dorme com seus macacos
coelhos
bonecas
e sonhos
uma poesia para o futuro
um poema que talvez não veja concluído
mas que se inicia e se conclui em si mesmo
Que paixões despertará este poema vivo?

Que poesias despertará?
A mim basta o que hoje desperta: as palavras que ardem
dentro de mim.
Fora de mim arde sua presença
ESTHER
PREMIADOS
Brigamos
os cães ladram à nossa passagem
os cães (dentro e fora da gente) nos querem separar

essa música distante e esse ar quente
(ar das nossas bocas
tuas bocas)
são coisas de verão
(como a chuva)
de infância

somos crianças
banho tomado
cheiro de sabonete no corpo
comendo pão no escuro
no escuro a gente se toca
somos adultos
adultos nascemos
todos nascemos no verão
no outono fazemo-nos em pedaços
(de-miolo-de-pão)
e cada migalha brota na primavera
os cães não ladram na primavera
(amam)
mas a música (da brisa) longe
toca ainda
ainda te tocarei

(1979)
A noite pelas ruas
como um prolongamento inverso de minha sombra
rastejo colado ao solo
sobre os paralelepípedos
as poças
a grama

Na frente
ao lado
atrás
nunca dentro de mim mesmo

Minhas pernas
meu coração
andarilhos
e minha alma enterrada aos teus pés
nessa terra-queimada que você
revolve com os dedos
ama

A memória ondeia
não tão absoluta quanto o mar:

você
minha infância neolítica
e suas pedras multicores-multiformes
suas conchas
xícara de porcelana chinesa
seu prato de sopa poético
não falo da poética social...
Falo dos conjuntos de pequenos círculos de óleo
amarelo boiando
dos pedacinhos moles de macarrão e salsa
dessa água colorida
grossa e doce
onde bebes teus próprios lábios

Tua alma
um prato de sopa.

(1982)
a vida goteja-me nos olhos
enchendo-os de sol ao meio dia
de vida

tão pequena enchendo a sala
agarrando-se-me aos dedos
adivinhando o vermelho que escorre quadro na parede
pressentindo o drapejamento de nossos vestidos
esvoaçando borboleta pela casa
cegando-nos com o pó colorido
de vôo
(e)terno
e contundente

Pomba pousada numa estátua
um livro de poesias
vida

Nem insenso
mirra
nem reis

Como é universal um recém-nascido

"E vendo elles a estrella, alegraram-se
muito com grande alegria"
Matheus 2:10

(1988)